Garantir a segurança dos alimentos é uma prioridade global, e diferentes países estabeleceram seus próprios conjuntos de requisitos e regulamentações para as boas práticas de manipulação de alimentos. Embora o objetivo final seja o mesmo – proteger a saúde pública e prevenir doenças transmitidas por alimentos (DTAs) – as abordagens específicas podem apresentar semelhanças e diferenças notáveis.
Neste artigo, exploraremos as bases dos requisitos de boas práticas de manipulação de alimentos em quatro importantes economias: Estados Unidos (EUA), Brasil, Alemanha e Itália. Analisaremos as semelhanças na adoção de princípios como o APPCC/HACCP e as diferenças em suas implementações e exigências específicas.
A Base Comum: APPCC/HACCP como Pilar da Segurança Alimentar
Uma das maiores semelhanças entre os sistemas de segurança alimentar desses países é a forte influência e, em muitos casos, a obrigatoriedade da implementação do sistema APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle), conhecido internacionalmente como HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points)
O APPCC/HACCP é um sistema preventivo que identifica, avalia e controla os perigos significativos à segurança dos alimentos em todas as etapas da produção, desde a matéria-prima até o consumo. Seus sete princípios básicos fornecem uma estrutura lógica para garantir a segurança dos alimentos:
- Análise de perigos: Identificar os perigos potenciais que podem ocorrer em cada etapa do processo produtivo.
- Identificação dos Pontos Críticos de Controle (PCCs): Determinar os pontos específicos onde medidas de controle são essenciais para prevenir ou eliminar um perigo ou reduzir sua ocorrência a um nível aceitável.
- Estabelecimento de limites críticos: Definir os valores máximos ou mínimos para cada PCC que devem ser controlados para garantir a segurança.
- Estabelecimento de procedimentos de monitoramento: Definir como e com que frequência os PCCs serão monitorados.
- Estabelecimento de ações corretivas: Definir as ações a serem tomadas quando o monitoramento indicar um desvio dos limites críticos.
- Estabelecimento de procedimentos de verificação: Confirmar que o sistema APPCC está funcionando eficazmente.
- Estabelecimento de procedimentos de manutenção de registros e documentação: Manter registros de todas as etapas do sistema APPCC.
Nos EUA, a implementação do HACCP é obrigatória para setores específicos, como processamento de carnes e aves (regulamentado pelo USDA - Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) e frutos do mar (regulamentado pela FDA - Food and Drug Administration). A FDA também exige a implementação de controles preventivos baseados em risco (HARPC - Hazard Analysis and Risk-Based Preventive Controls) sob a Lei de Modernização da Segurança Alimentar (FSMA), que compartilha muitos princípios com o HACCP.
No Brasil, a Portaria nº 1428/93 do Ministério da Saúde já mencionava a necessidade de adoção de sistemas de controle de qualidade, incluindo o APPCC. A Resolução RDC nº 275/2002 da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabeleceu o Regulamento Técnico de Boas Práticas de Fabricação para estabelecimentos processadores/industrializadores de alimentos, que serve como base para a implementação do APPCC em diversos setores.
Na Alemanha e na Itália, a legislação da União Europeia (UE) desempenha um papel central na definição dos requisitos de segurança alimentar. O Regulamento (CE) nº 852/2004 relativo à higiene dos géneros alimentícios estabelece a obrigatoriedade da implementação de procedimentos baseados nos princípios do HACCP por todas as empresas do setor alimentar, desde a produção primária até ao consumidor final.
Diferenças Notáveis nos Requisitos e Implementação
Apesar da base comum no APPCC/HACCP, existem diferenças significativas nos detalhes da implementação e nos requisitos específicos de boas práticas de manipulação de alimentos entre esses países:
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Órgãos Reguladores e Legislação Específica: Cada país possui seus próprios órgãos reguladores com legislação específica para a segurança dos alimentos. Nos EUA, temos a FDA e o USDA com diferentes áreas de atuação. No Brasil, a ANVISA é o principal órgão. Na Alemanha e na Itália, a legislação da UE é transposta para as leis nacionais, mas órgãos nacionais também têm suas responsabilidades de fiscalização e implementação. Essas diferenças podem levar a nuances nas exigências e na forma como as inspeções são conduzidas.
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Requisitos de Boas Práticas de Fabricação (BPF): Embora os princípios gerais das BPF (higiene pessoal, limpeza e desinfecção, controle de pragas, rastreabilidade, etc.) sejam universais, os detalhes e a ênfase em certos aspectos podem variar. Por exemplo, a legislação brasileira (RDC nº 275/2002) detalha requisitos específicos para instalações, equipamentos e controle de qualidade que podem ter nuances diferentes nas regulamentações americanas (GMPs - Good Manufacturing Practices da FDA) ou nas diretrizes da UE.
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Treinamento e Capacitação de Manipuladores: Os requisitos para o treinamento de manipuladores de alimentos também podem variar. Enquanto alguns países podem ter exigências mais específicas sobre a frequência e o conteúdo do treinamento, outros podem se concentrar mais na responsabilidade da empresa em garantir que os funcionários sejam adequadamente capacitados. No Brasil, a RDC nº 216/2004 estabelece requisitos para o treinamento de manipuladores em serviços de alimentação.
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Rastreabilidade: A rastreabilidade dos alimentos ao longo da cadeia de produção é um aspecto crucial da segurança alimentar. Embora todos os países reconheçam sua importância, os sistemas e os detalhes da informação que deve ser rastreada podem variar. A legislação da UE, por exemplo, possui requisitos detalhados sobre a rastreabilidade de alimentos e ingredientes.
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Controles Preventivos Baseados em Risco: A abordagem de controles preventivos baseados em risco, como o HARPC nos EUA, representa uma evolução do HACCP, enfatizando uma análise de perigos mais abrangente e a implementação de controles preventivos específicos para cada perigo identificado. Embora a UE também adote uma abordagem baseada em risco, a estrutura específica e os requisitos podem diferir.
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Flexibilidade para Pequenos Negócios: A forma como os requisitos de segurança alimentar são aplicados a pequenas e médias empresas (PMEs) também pode variar. Alguns países podem oferecer maior flexibilidade ou abordagens simplificadas para PMEs, reconhecendo as suas limitações de recursos, enquanto outros podem aplicar os mesmos padrões a todas as empresas do setor.
Exemplos Práticos de Diferenças:
- Higiene Pessoal: Enquanto todos os países enfatizam a importância da higiene pessoal dos manipuladores, os detalhes sobre o uso de luvas, adornos e vestimentas podem variar nas regulamentações específicas.
- Controle de Pragas: Os métodos e a frequência do controle de pragas podem ser mais estritamente definidos em algumas legislações do que em outras.
- Documentação e Registros: Os tipos de registros que devem ser mantidos para comprovar a conformidade com as boas práticas e o sistema APPCC/HACCP podem ter variações nas exigências de cada país.
Conclusão: Uma Busca Contínua pela Segurança Alimentar Global
Embora existam diferenças nos requisitos de boas práticas de manipulação de alimentos entre os EUA, Brasil, Alemanha e Itália, a base fundamental na prevenção de perigos e a crescente adoção dos princípios do APPCC/HACCP demonstram um compromisso global com a segurança dos alimentos.
As diferenças refletem as particularidades dos sistemas regulatórios, as prioridades de saúde pública e as características das indústrias alimentícias de cada país. No entanto, a tendência é de uma maior harmonização das normas internacionais, impulsionada pela globalização do comércio de alimentos e pela necessidade de garantir a segurança em toda a cadeia produtiva.
Compreender as semelhanças e diferenças nos requisitos de boas práticas de manipulação de alimentos é essencial para empresas que operam em mercados internacionais e para profissionais da área de segurança alimentar que buscam as melhores práticas globais para proteger a saúde dos consumidores. A troca de informações e a colaboração entre os países são cruciais para fortalecer os sistemas de segurança alimentar em todo o mundo.
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